Destacamos duas publicações recentes da CVM extremamente relevantes para o universo de instituições que atuam na administração e gestão de fundos e carteiras de valores mobiliários, bem como na distribuição produtos financeiros.
I – Alterações de prazos de envio de relatórios de controles internos
O primeiro ponto diz respeito ao conjunto de alterações introduzidos pela instrução CVM n.º 604, publicada no dia 14.12.18. Estas edições fazem parte do “Projeto Estratégico de Redução de Custo de Observância”, que visa, em primeiro plano, à eliminação de redundâncias ou sobreposições normativas: iniciativa que consideramos extremamente necessária em um ambiente regulatório que demanda reflexões sérias a este respeito.
Destaque na Instrução para a unificação de previsões anteriormente em normas diversas, bem como para a racionalização de procedimentos que facilitam o dia-a-dia dos participantes do mercado (p.ex., a aprovação automática de demonstrações financeiras de certos fundos, se não contiverem opiniões modificadas, no caso de impossibilidade de instalação de assembleia por ausência total de investidores).
Mas, merecem relevo especial, no curto prazo, as mudanças relativas à elaboração e envio de relatórios sobre controles internos e temas correlatos.
Antes da ICVM 604, os diretores responsáveis pelo cumprimento de normas - especificamente os nomeados pela Instrução CVM n.º 539 de integrantes do sistema de distribuição e/ou consultores de valores mobiliários pessoas jurídicas - eram obrigados a encaminhar aos seus “órgãos de administração” (ou seja, dar ciência a própria diretoria da empresa) uma avaliação do cumprimento das regras, procedimentos e controles internos, e, recomendações a respeito de eventuais deficiências e seu cronograma de saneamento, no que diz respeito ao processo de Suitability, até o fim de janeiro e julho de cada ano (obrigação definida nos cf. art. 7.º, §2.º e incisos, da Instrução CVM n.º 539, de 13.11.13. - que trata de Suitability).
Já os mesmos diretores de administradores e gestores de carteiras de valores mobiliários tinham que, até o fim de janeiro, anualmente (v. art. 22 e incisos da Instrução CVM n.º 558, de 26.03.15.) realizar o mesmo procedimento, mas, no que diz respeito as atividades de administração e/ou gestão.
A ICVM 604 alterou essas previsões, unificando os prazos acima para abril de cada ano.
Vale dizer que a ICVM 604 entrou em vigor na data de sua publicação(cf. art. 25, caput), a não ser por seus arts. 18 e 20, e incisos do art. 24, que entram em vigor somente em 01.05.19.: ou seja, suas mudanças têm vigência imediata, valendo já para o próximo mês de janeiro, de forma que não é necessária a elaboração dos mencionados informes até o fim de janeiro de 2019, como constava anteriormente nas ICVMs 539 e 558.
II – Entendimentos da SMI sobre a atuação de Agentes Autônomos de Investimento
No dia 17 de dezembro, a Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (“SMI”) da CVM divulgou, o Ofício Circular SMI 04/18 (“OC SMI 04/18”), contendo orientações aos Agentes Autônomos de Investimento e aos seus distribuidores contratantes sobre entendimentos do superintendente a respeito do adequado cumprimento da Instrução CVM n.º 497, de 03.06.11.
Vale destacar que estes Ofícios tem o objetivo exclusivo de compartilhar com o mercado as visões da superintendência sobre temas diversos. Portanto, não tem “força de norma”, como uma Instrução da CVM, porém, indicam uma tendência forte da “direção” do regulador sobre tais pontos. Um Ofício não impede inclusive que haja interpretação distinta pelo Colegiado, por diretores, ou mesmo a mudança da visão da SMI ao longo do tempo.
Mas, em termos práticos, no dia a dia da atividade regulada, tais entendimentos são extremamente relevantes para o posicionamento do mercado, pois balizam a fiscalização, e, merecem atenção.Nossa visão é que este ofício trata de todos os tópicos que tem sido objeto de debate (e de polêmica) no forte avanço que temos assistido na arquitetura aberta de distribuição, e, sua convivência com atividades de gestão e consultoria, principalmente.
Focaremos nos pontos do ofício que tratam das questões relativa a conflito de interesse, e exercício de atividades de formas distintas, pois acreditamos que este é o tema de maior relevância para nossos clientes. Destacaremos sempre a numeração de referência dos tópicos do ofício da CVM dos temas em tela, para que nossos clientes possam depois identificar no ofício a origem de nossa análise.
Porém, o ofício também lista uma série de pontos relevantes sobre fronteiras de produtos que podem ser ofertados, e, obrigações de fiscalização do contratante, por exemplo. Recomendamos a sua leitura na íntegra, pois há esclarecimentos importantes sobre mais temas acessórios a atividade de AAI.
Vamos então aos tópicos:
--> Sobre a Cumulação e “convívio” com outras atividades/habilitações, bem como a participação de AAIs em Gestoras, Consultorias ou Casas de Análise
O regulador lembra, nos pontos 31 e 32 do OC SMI 04/18, que: não é possível acumular a licença de AAI com os registros de analista de valores mobiliários, consultor de valores mobiliários ou administrador de carteiras de valores mobiliários, devendo haver a opção somente por uma dentre tais autorizações.
Nos pontos 33 e 34, esclarece que, mesmo não havendo vedação expressa na regulação aplicável, entende-se que há conflitos de interesse implícitos na participação de um AAI no capital de sociedades apresentando as naturezas acima citadas, demandado assim especial atenção por parte dos intermediários que pretendam contratar tais AAIs.
E, a CVM vai além e diz ainda que, “a eventual verificação da existência de tal participação será considerada como indício de atuação nas atividades vedadas e será considerada pela SMI na priorização de regulados a inspecionar.”E segue dizendo que: “a SMI considera recomendável que os contratantes façam uma análise criteriosa antes de firmar contrato com agentes autônomos detentores de participação societária em empresa de análise, consultoria ou administração de carteiras de valores mobiliários.”
Relacionado a tal tema, destacamos os tópicos 50 a 53, em que o regulador estabelece que: não é aceitável que uma sociedade de AAI se apresente como integrante de um “grupo econômico”, dada a sua natureza de sociedade uni profissional, de cujo capital não podem participar pessoas jurídicas, especialmente no caso de grupos em que há empresas de consultoria, gestão ou análise de valores mobiliários, cujas atividades são vedadas ao AAI (o mesmo valendo para a existência de qualquer elemento qualquer - como nomenclatura ou identidade visual - que possa induzir o investidor a acreditar num vínculo entre tais entidades).
No ponto 56 do ofício o regulador trata ainda de situação em que um cliente contrata um gestor de carteira administrada, e, tal gestor é uma pessoa jurídica com algum tipo de relação com o AAI.
Sendo bem objetivos sobre estes pontos analisados em conjunto: para nós, a CVM deixa claro que o convívio “muito próximo” (excessivamente sinérgico) e, ainda, a apresentação e oferta ao cliente – de forma conjunta, sequencial ou quase isso – de produtos e serviços, em uma solução integrada e completa de “Wealth Management”, prestados por empresas que praticamente se confundem, com unicidade ou proximidade de nomenclatura, identidade visual, mesmo escritório (com mera separação com vidros ou salas), mesmas pessoas, grupos, ou pessoas próximas, etc... será alvo de pesado escrutínio para comprovação da legitimidade regulatória da “estrutura”.
Haverá um forte debate sobre estas “estruturas” representarem ou não arbitragem regulatória.
Acreditamos ser extremamente legítimo o debate sobre avanços regulatórios que permitam, cada vez mais, a competição, e o melhor e mais completo serviço ao cliente por agentes os mais independentes possíveis” - respeitando as lógicas de segregação e boas práticas - porém, a visão da SMI e seu alerta encontra sustentação no marco regulatório corrente.
E, neste cenário, recomendamos uma análise profunda sobre conflitos de interesse, e os riscos de estruturas que possam ser interpretadas pelo regulador como inadequadas.
O OC 04/18 afirma textualmente (ponto 44) que a legislação vigente não veda que AAIs pessoas físicas sejam sócios/funcionários de outras empresas (p.ex., corretora de seguros), devendo-se assegurar, no entanto, que tais atividades sejam exercidas de forma totalmente segregada da sociedade de AAI.
Já no caso do planejamento financeiro, a SMI entende não ser aceitável a apresentação do AAI como tal, por lhe faltar o requisito básico da independência nas suas orientações aos clientes.
Sobre a questão do Planejamento Financeiro, nos pontos 45 a 49, a SMI expõe sua visão de que há total incompatibilidade em atuar como AAI, e, simultaneamente como “Planejador Financeiro”. Porém, acreditamos que a visão da SMI não considera os distintos formatos deste tipo de serviço, que encontraram suporte inclusive na Instrução CVM n.º 592, que deixa claro que não é consultoria de valores mobiliários, o serviço de planejadores financeiros: “...cuja atuação circunscreva-se, dentre outros serviços, ao planejamento sucessório, produtos de previdência e administração de finanças em geral de seus clientes e que não envolvam a orientação, recomendação ou aconselhamento de que trata o caput...”(citando o art. 1º, parágrafo 2º, inciso II, e, o caput fala em classe de ativos e valores mobiliários, títulos e valores mobiliários específicos, prestadores de serviço no âmbito do mercado de valores mobiliários, e outros aspectos relacionados).
Ou seja, para a ICVM 592 existe um tipo de Planejamento Financeiro totalmente fora da alçada regulatória da CVM, que não configura atividade de consultoria, por nem mesmo alcançar o aconselhamento relacionado a ativos, prestados de serviço e investimentos em geral.
Por este motivo, acreditamos que a linha defendida neste ofício da SMI conflita com a regulação em vigor por tratar toda atividade de Planejamento Financeiro como atividade“full servicer”: que sempre chega até a orientação de “como, onde e em o que alocar”.
Nos parece plenamente regular que haja serviço de Planejamento Financeiro no escopo restrito ao que circunscreve a ICVM 592, e, que, na sequência, por opção do investidor, ele busque: (i) canais de distribuição (do qual o AAI faz parte) para escolha de produtos de investimento - decidido pelo cliente- e, orientado pelo Suitability; ou (ii) contrate um consultor de valores mobiliários, ou gestor de recursos que também dê suporte para tais estratégias.
Nestes casos – de Planejamento Financeiro dentro dos limites delineados pela ICVM 592 - o tratamento dado pela SMI deveria ser equivalente ao explicitado para “outras atividades” como a de corretagem de seguros: uma atividade não regulada pela CVM e que precisaria ser exercida de forma segregada.
--> Sobre “assessoria de investimentos”, “recomendação”, nome fantasia, estrutura legal das sociedades, grupos econômicos, filiais, etc.
A respeito do polêmico uso das expressões “assessor” ou de “recomendação”, o OC 04/18 explicita nos pontos 36 a 41, que podem ser utilizadas tais expressões (sempre acompanhadas dos termos “agente autônomo de investimento”), desde que fique claro para o investidor que o AAI não age de forma independente, estando sempre vinculado ao seu distribuidor contratante, devendo suas orientações se limitar somente aos produtos e serviços oferecidos por seu contratante.
Por outro lado, nos pontos 5 a 8, o ofício esclarece que, a utilização de nomes-fantasia sem a expressão “Agente Autônomo de Investimento” é irregular: o AAI, assim, não pode ser apresentar ao público com expressões como “XYZ Investimentos”, “asset”, “broker”, “bank”, “gestão” ou similares. O regulador é categórico que mesmo nomes fantasia precisam incluir a expressão “Agente Autônomo de Investimentos”, não sendo aceitável “emular” outra função que não esta.
Além disso, não podem ser utilizados nomes-fantasia que dificultem a compreensão sobre a identidade real de quem o investidor está de fato contratando. Sobre o mesmo tema, o OC 04/18 menciona que não podem ser utilizadas expressões que induzam o investidor a erro quanto ao caráter da vinculação do AAI com seu distribuidor contratante: logo, palavras como “parceira”, “associada”, “afiliada”, pressuporiam a possibilidade de atuação sancionadora da CVM (ponto 80 do ofício).
Mais uma vez o regulador reforça que a natureza da atividade é de distribuição pura, não sendo aceitável passar a imagem diferente da atividade fim, e, sem explicitar de forma clara que este AAI é um preposto e totalmente vinculado a uma instituição contratante do sistema de distribuição, para única e exclusivamente exercer – em seu nome - sua única atividade fim autorizada: distribuição.
De acordo com os pontos 23 a 27 do ofício, a existência e localização de quaisquer filiais do AAI devem estar devidamente consignadas em seu contrato social. Além disso, qualquer alteração cadastral – p. ex., inclusão/exclusão de escritórios – deve ser informada à autoridade credenciadora. As sociedades de AAIs devem garantir, ainda, que todos os requisitos aplicáveis à matriz sejam atendidos também pelas filiais, cabendo à instituição contratante fiscalizar todas as unidades que as sociedades estabeleçam. A SMI também explicitou (pontos 28 a 30) não haver empecilho a sócios residindo em localidades diferentes, e o uso de espaços de coworking,desde que tais formatos garantam o correto atendimento a ICVM 497, em especial na questão de sigilo, e, que haja ciência e concordância do contratante.
Segundo o OC 04/18, apesar de sua natureza uniprofissional, uma sociedade de AAI pode contratar funcionários que não sejam AAIs para funções não diretamente relacionadas à atividade-fim da sociedade, tais como marketing, TI, compliance, limpeza, administrativo etc., preservada a responsabilidade por suas ações e pelo sigilo que estes devem guardar sobre as informações por eles recebidas (questão tratada nos pontos 75 a 79).
Para a SMI, como descrito nos pontos 9 a 15, as sociedades de AAIs devem necessariamente se configurar como sociedades simples (limitadas ou não), sujeitas a registro apenas nos Registros Civis de Pessoas Jurídicas, e não nas Juntas Comerciais: as sociedades porventura já registradas como empresárias deverão se adaptar ou terão seu registro cancelado a partir de julho de 2019. A atividade, entretanto, pode ser desempenhada sob a natureza de “firma individual”, admitida a figura do “empresário individual” (mesmo que registrada na Junta Comercial, por sua natureza), desde que não se trate de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI.
Nos pontos 57 a 59, de acordo com o OC 04/18, a atuação de um AAI que ainda não faz parte do quadro societário de uma sociedade de AAIs só pode ser admitida(i) em caráter temporário, e (ii) desde que tal AAI individual tenha firmado contrato com a(s) mesma(s) instituição(ões) que mantém(têm) relação com a sociedade de AAIs na qual ele irá ingressar. Apear de não ser possível estimar um lapso temporal para tanto, o OC 04/18 afirma que a sociedade, nesses casos, deverá ser capaz de evidenciar que está diligenciando para a necessária regularização da situação do AAI entrante.
Mais uma vez recomendamos a leitura cuidadosa dos dois documentos regulatórios emitidos pela CVM (A instrução e o Ofício), que trazem uma rica gama de temas importantes para o debate.
A BR Invest permanece à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais porventura reputados necessários.
Aproveitamos para desejar Boas Festas a todos!
José Brazuna
Raphael Castro
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