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Visões sobre o Novo Código ANBIMA de Administração de Recursos de Terceiros

Caso deseje, solicite a versão .PDF deste documento para jb@brinvestconsult.com


A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais - ANBIMA, em Assembleia Geral de 27/04/18, aprovou o novo “Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para Administração de Recursos de Terceiros” (“Novo Código”), extinguindo o “Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas de Fundos de Investimento” (“Antigo Código”) e o “Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para a Atividade de Gestão de Patrimônio Financeiro no Mercado Doméstico”.

Também foi criado o “Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para Distribuição de Produtos de Investimento”, e revogados o “Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para a Atividade de Distribuição de Produtos de Investimento no Varejo” e o “Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para a Atividade de Private Banking no Mercado Doméstico”.


O prazo final para adaptação às novas normas, tanto para as instituições associadas quanto para as aderentes, é 02/01/19. Neste documento, portanto, analisaremos os principais desafios do Novo Código.


Nossa percepção é de que não tem sido dado o devido destaque à significativa reestruturação do marco autorregulatório que afeta os principais segmentos da indústria de fundos. Em nossas atividades diárias e contatos com instituições no mercado - bem como em fóruns relacionados -, temos notado que ainda reverbera uma visão de que a mudança foi apenas uma reestruturação geral das mesmas regras, agora sob uma nova matriz lógica (Produto vs. Atividade).


Cremos que esta é uma leitura equivocada: o Novo Código trouxe transformações relevantes que demandam reflexão, debates internos e ajustes por parte dos participantes do mercado.


A alteração de estrutura é apenas um dos marcos, vindo acompanhada de tópicos que exigem adequações bastante sensíveis de governança, práticas internas, processos, e, consequentemente, dos manuais e políticas que os descrevem formalmente.


Houve acréscimo de obrigações, novas práticas e também possibilidades que antes não existiam (exemplo: maior flexibilidade de regras de comitê). Recomendamos atenção e análise especiais, já que o prazo final de adaptação se aproxima.


A BR Invest Consult já vem atuando em projetos de implementação e revisão de governança, práticas, processos e políticas internas de instituições nos moldes do Novo Código.


Estamos adentrando o mês de outubro, de modo que sugerimos atenção imediata e a devida dedicação ao tema. Permanecemos à disposição de instituições que desejarem agendar uma reunião para expormos nossa visão sobre o assunto e tratarmos destas questões.


Nossa análise neste documento trata dos tópicos que acreditamos serem os mais relevantes, a saber:

· Mudança Estrutural do Código;

· Conceito de Instituição Participante;

· Estrutura, Perímetro e Processo de Adesão;

· Implementação de Atividades, Guarda de Evidências;

· Compliancee Governança;

· Política de Contratação de Terceiros e Supervisão Baseada em Risco;

· Administração Fiduciária e Gestão de Recursos; e

· Conselho Consultivo e Comitê Técnico e de Investimento.


1.) Mudança Estrutural do Código


Tradicionalmente, o segmento de asset management na ANBIMA era autorregulado pelo Antigo Código: partia-se do produto para se regular as atividades envolvidas. Hoje isso pode parecer peculiar, mas para entendermos essa estrutura é necessário rememorar brevemente o início da autorregulação, no início dos anos 2000.


A preocupação inicial foi de fato uniformizar o produto, partindo da criação de critérios uniformes para regulamentos, prospectos, classificação dos fundos, séries históricas de retorno, base de dados, métricas de risco etc., num momento em que as atividades de administração, gestão, custódia e distribuição de fundos se davam de forma vertical, preponderantemente nos bancos, com apenas algumas gestoras independentes no mercado. Logo, naquele período, fazia sentido o “foco no produto”, buscando ainda uma padronização.


Historicamente, essa lógica começa a se inverter com a maior segmentação da atividade, sofisticação dos produtos e novos modelos de negócio de gestão e distribuição independente, players de nicho, prestação de serviço de administração fiduciária, consultorias de investimento, family offices, gestores de patrimônio, dentre outros participantes.


Ao longo dos anos, a antiga ANBID (predecessora da ANBIMA) foi agregando novos segmentos de negócio que surgiam no mercado, e, paralelo ao então “Código de Fundos”, foram criados outros Códigos relacionados ao produto “fundo de investimento”, mas sob abordagens distintas de gestão e distribuição, com destaque para o “Código de Gestores de Patrimônio” (atividade prestada com o uso de fundos de investimentos ou carteiras) e os Códigos relativos às atividades de Distribuição de Produtos (Varejo e Private Banking): esses Códigos eram focados nas respectivas atividades, porém, em nichos específicos.


A revisão recente igualmente adotou a lógica da atividade como norte preponderante. Por esta razão, o Novo Código consolida a sua versão anterior com o “Código de Gestão de Patrimônio”.


No Antigo Código, a lógica era conceituar de forma uníssona as obrigações relativas à administração, gestão e demais serviços - necessários à constituição de um fundo -, que poderiam ou não ser prestadas pela mesma instituição, cabendo a estas, em cada uma das hipóteses, se aterem às suas obrigações específicas relativas à atividade de fato exercida em relação ao produto.


Portanto, a administração fiduciária e a gestão independente estavam “implícitas” na versão anterior do Código, apenas sem o devido grau de detalhamento e separação de regras que as caracterizam como negócios autônomos.


Agora, consolidando o modelo de arquitetura aberta, o Novo Código trata da administração fiduciária de forma apartada: antes, suas práticas estavam “embutidas” no Antigo Código, com certo cruzamento com o Código de Serviços Qualificados.


A consolidação também incorpora a Gestão de Patrimônio como uma segmentação/ “modalidade diferenciada” de gestão que, por suas especificidades, merece capítulo específico, mas sob a rubrica regulatória e licença de “gestão de fundos e carteiras”.


2.) Instituições Participantes


O Antigo Código tratava de todas as obrigações relativas aos envolvidos no produto “fundo”, cabendo tais obrigações a esses participantes, sendo estes ou não de um mesmo grupo econômico: sobre este tópico, no Novo Código, caberia a investigação de “a quem se aplica”, dado que nesse ponto já se percebe uma alteração a suscitar debate.


O Antigo Código tratava das seguintes atividades, enumeradas em seu art. 2.º, § 1.º:

“Art. 2.º - (...).

§ 1º. As instituições participantes estão sujeitas às disposições tratadas no presente Código caso desempenhem uma ou mais das seguintes atividades:

I. Administração de fundos de investimento;

II. Gestão de carteira de fundos de investimento;

III. Consultoria de fundos de investimento;

IV. Distribuição de cotas de fundos de investimento;

V. Tesouraria de fundos de investimento;

VI. Controle de ativos de fundos de investimento;

VII. Controle do passivo de fundos de investimento; e

VIII. Custódia de ativos de fundos de investimento.”


Tal estrutura, historicamente, derivou do art. 56, § 1.º, da Instrução CVM n.º 409, de 18 de agosto de 2004 (“ICVM 409”), posteriormente adaptada na Instrução CVM n.º 555, de 17 de dezembro de 2014, com o art. 78, § 2.º: ou seja, o Antigo Código espelhava, de forma orgânica, a lista de atividades “contidas” no produto que disciplinava.


Porém, o art. 3.º do Novo Código determina que seu texto “se destina às instituições que desempenham o exercício profissional de Administração Fiduciária e Gestão de Recursos de Terceiros de Veículos de Investimento”.


Portanto, não há mais a possibilidade de empresas exclusivamente dedicadas à consultoria (puramente de valores mobiliários ou não) aderirem às suas regras.


As demais atividades continuam sendo cobertas no Código de Serviços Qualificados (tesouraria, controle de ativos, de passivos e custódia) ou no Código de Distribuição de Produtos de Investimento (distribuição).


Sobre a atividade de “consultoria”, é fato que, antes do advento da Instrução CVM n.º 592, de 17 de novembro de 2017 (“ICVM 592”), muitas instituições atuavam no segmento de consultoria e gestão sob um mesmo “chassi”, ou seja, a mesma entidade e o mesmo diretor acumulando as licenças e atividades de gestão e de consultoria.[1]


Logo, nessa época, a atividade de consultoria podia, por assim dizer, se beneficiar do “selo de qualidade” da autorregulação quando exercida no mesmo grupo de uma empresa de gestão, e, mesmo se assim se desse em uma empresa independente – i.e., exclusivamente dedicada à consultoria -, esta poderia solicitar a respectiva adesão, por exercer a atividade de consultoria nele listada.


Vale lembrar que o Antigo Código nunca tratou de regras e atividades específicas de um consultor de valores mobiliários, já que também a CVM, antes da ICVM 592, conceituava tal atividade de forma bastante genérica. Porém, tratava-se de fato de uma das atividades passíveis de solicitação de adesão ao Antigo Código, o que, hoje, não mais é possível.


Com a exigência de segregação imposta pelo novo marco regulatório de consultoria, e sua maior complexidade, bem como pela evolução natural do mercado, vêm surgindo empresas dedicadas apenas à atividade de consultoria de valores mobiliários em si, sem atuação direta na gestão de recursos, e, tal segmento não encontra mais abrigo no Novo Código. Tais empresas também não se enquadram no conceito de “Gestão de Patrimônio Financeiro”, nem no Código de Distribuição de Produtos de Investimento (visto que não exercem a atividade: o Código em questão é destinado apenas a instituições financeiras ou gestores distribuindo seus próprios fundos).


Vale uma reflexão sobre a conveniência do conceito de “Púbico Alvo” do Novo Código não mais incluir este segmento – atualmente em franca expansão - dentre as atividades aplicáveis para solicitação de Adesão ou Associação, considerando seu crescente espaço na orientação dos investidores na escolha de fundos de investimento e demais ativos financeiros/valores mobiliários atualmente disponíveis ao público.


3.) Estrutura, Perímetro e Processo de Adesão


O Novo Código se divide em 5 TÍTULOS, a saber:

· Disposições Gerais;

· Princípios, Regras e Procedimentos para a Administração de Recursos de Terceiros;

· Administração Fiduciária e Gestão de Recursos;

· Organismos de Supervisão para Administração de Recursos de Terceiros;

· Disposições Gerais. (sic)


Os Títulos são divididos em Capítulos e Seções específicas, com os respectivos detalhamentos. Adicionalmente, o Novo Código contém 5 ANEXOS, segmentados por tipo de produto:

· Fundos de Investimento 555;

· Fundos de Investimento em Direitos Creditórios;

· Fundos de Investimento Imobiliário;

· Fundos de Investimento em Índice de Mercado;

· Carteiras Administradas.


O Título I,“Disposições Gerais” (curiosamente há, ao final, um Título V com o mesmo nome), é composto de uma espécie de “Glossário Conceitual”, estabelecendo definições técnicas (formato que vem sendo tradicionalmente adotado pela CVM), além de conceitos gerais, objetivo, abrangência e de como proceder com a adesão ao Código.


Ele delimita também, de forma mais clara, que clubes de investimento, fundos de participação, seguradoras, entidades abertas de previdência complementar – EAPCs, entidades fechadas de previdência complementar - EFPCs, instituições financeiras e gestores de recursos - na gestão de fundos com recursos próprios – , bem como gestores de recursos de terceiros pessoas físicas, não estão abarcados pelas regras do Código.


Uma novidade a destacar é a maior flexibilidade dada na determinação do processo de adesão ao Código: antes, parte das exigências de registro e alguns documentos e ritos eram detalhados no próprio Código (lista de documentos e fóruns de aprovação). Adicionalmente, o Código dava poderes à Diretoria da ANBIMA para definir um processo de análise de exigências obrigatórias.


Logo, mudanças mais relevantes nesse fluxo administrativo e operacional da ANBIMA em parte dependiam de uma nova edição do Código (precedida de processo de audiência pública e aprovação formal em Assembleia de associados), e de outro lado, de decisão da Diretoria.


Agora, o Código é mais objetivo sobre a matéria, delegando expressa e integralmente este poder à Diretoria e ao Conselho de Ética da ANBIMA, que passam a regular este processo no “dia a dia”.


4.) Implementação de Atividades e Guarda de Evidências


No Título II, “Princípios, Regras e Procedimentos para a Administração de Recursos de Terceiros”, destaca-se a definição de regras para atividades internas de suporte e controle (Compliance, Segregação, Segurança da Informação e Plano de Continuidade de Negócios), contratação de terceiros (tanto pelo Administrador quanto pelo Gestor), e para o processo de supervisão baseado em risco (para os terceiros contratados).


Aqui começamos a perceber novidades e “sutilezas” importantes, sobre as quais recomendamos análise e reflexão. A primeira delas diz respeito ao art. 7º. Nele, se formalizaram dois conceitos aparentemente óbvios, mas que reforçam os poderes de fiscalização e punição do autorregulador. O primeiro considera que configuram – por si sós – descumprimento às obrigações e princípios do Código tanto a inexistência de regras e procedimentosexigidos no Código, como também a sua “não implementação ou implementação inadequada”.


O artigo define que são consideradas evidências de implementação inadequada (a) reiteradas ocorrências de falhas não sanadas nos prazos estabelecidos, e (b) a ausência de mecanismos ou evidência que demonstre a aplicação dos procedimentos estabelecidos no Código.


Poderia parecer óbvio, mas no Antigo Código não havia previsão expressa sobre adequação/inadequação de manuais ou procedimentos: agora, porém, a ausência de comprovação de sua efetividade configura descumprimento objetivo das novas regras, acarretando, portanto, as punições correspondentes.


Esta prática já vinha sendo adotada “filosoficamente”, por assim dizer, pelas fiscalizações, mas de forma mais genérica, se escorando na questão do risco de descumprimento de dever fiduciário e outros princípios mais gerais do Código: agora, não obstante, tais falhas podem ser objetivamente caracterizadas e punidas de forma específica. Entendemos que tal artigo iráreforçar o grau de enforcement da fiscalização, e será propício para processos específicos sobre o tema.


5.) Compliance e Governança


Também é dada atenção mais evidente às regras e procedimentos de controles internos e compliance- que antes era um tema mais difuso, já que não havia uma sessão específica, apenas menções em vários pontos do antigo texto -, e à obrigação de possuir políticas a respeito, com determinadas condições mínimas.


Sobre o tema, no Antigo Código praticamente havia apenas o art. 42, determinando que “as instituições participantes devem manter área(s) ou profissional(is) responsável(is), com a isenção necessária para o cumprimento de seu dever fiduciário, para o exercício das seguintes atividades: (i) gestão de risco; e (ii) atividades de compliance, assim entendidas as ações preventivas visando ao cumprimento das leis, regulamentações e princípios corporativos aplicáveis, garantindo as boas práticas de mercado e o atendimento dos requisitos constantes no artigo 6º desde Código.”


O art. 6º, citado acima, tratava de princípios gerais. Na nova redação, tais questões são tratadas de forma mais objetiva e incisiva (a título de curiosidade, a palavra “Compliance” era citada apenas 3 (três) vezes no Antigo Código, passando agora a 13 (treze) citações no Novo Código).


Vê-se uma ênfase clara na necessidade de indicar a coordenação de atividades, bem como sua relação funcional e hierárquica, com controles, alçadas e a fronteira das funções de Controles Internos, Compliance e Risco: agora há uma obrigação explícita de detalhar nas políticas como se dá a autonomia de atuação e comunicação direta dos departamentos com as diretorias, administradores ou conselhos das Instituições Participantes. Também se reforça a obrigação de divisão clara de papéis e controles.


De uma forma geral, o rigor na governança de rotinas de Compliance, em nossa visão, apontam para um grau maior de complexidade, indo até além da linha adotada pela CVM na ICVM 558.


Sobre temas relacionados à segurança da informação, plano de continuidade de negócios e políticas relativas a sistemas (agora chamados de “Segurança Cibernética”), nota-se também a necessidade de maior detalhamento hierárquico e requisitos mais específicos do que constavam antes, sendo inclusive necessário apontar o responsável na instituição por responder a questões de Segurança Cibernética.


6.) Política de Contratação de Terceiros e Supervisão Baseada em Risco


A definição de uma Política de Contratação de Terceiros já era obrigação devida no Antigo Código, porém as mudanças aqui foram numa direção que - talvez na intenção de racionalização de processos e simplificação – podem tender a efeitos opostos.


A versão anterior do Código, sobre o tema, além de exigir o detalhamento dos procedimentos de análise prévios e pós-contratação, listava, nominalmente, uma série de documentos mínimos e tópicos específicos que precisariam ser abordados no processo de avaliação do prestador de serviço. Também se exigia que houvesse o monitoramento de uma série de quesitos listados no Antigo Código: o prazo máximo para revisão de documentos, processos e informações apresentados pelo prestador era de 24 (vinte e quatro) meses. No Novo Código, a metodologia de Supervisão Baseada em Risco pode definir uma periodicidade de até 36 (trinta e seis) meses para a supervisão.


O novo formato do Código abandona o estilo “receita de bolo” anterior (que listava uma forma de fazer o processo, com quesitos obrigatórios e documentos), e, de uma forma geral, exige que, para a contratação de terceiros em nome dos fundos de investimento, o prestador de serviço seja classificado, analisado e monitorado segundo metodologia própria de Supervisão Baseada em Risco (tratada inclusive em capítulo específico do código), na qual se apontem:

· áreas responsáveis pela supervisão dos terceiros contratados;

· processo adotado para supervisionar os terceiros contratados; e

· processo adotado para tratar as não conformidades e ressalvas identificadas.

Porém, há itens que, em nosso entendimento, estão conflitantes, e dificultam a leitura.


A estrutura deste tópico se dá desta forma, hierarquicamente:

Capítulo VI – Contratação de Terceiros em nome dos Fundos de Investimento

Seção I – Regras Gerais

Seção II – Contratação de Terceiros pelo Administrador Fiduciário

Seção III – Contratação de Terceiros pelo Gestor de Recursos

Seção IV – Supervisão Baseada em Risco para os Terceiros Contratados


Na “Seção I - Regras Gerais”, em quase todos os artigos, faz-se referência específica à contratação de terceiros “em nome do fundo”, exceção feita a alguns parágrafos que falam de contratação sem assim especificar (porém, como nestes casos o caput do art. 18 especifica ser “em nome do fundo”, a lógica é que o que se estabelece no parágrafo também se aplicaria apenas em contratações para o fundo).


Na sequência, a “Seção II – Contratação de Terceiros pelo Administrador Fiduciário”, que trata especificamente da contratação de terceiros – em nome do fundo - pelo administrador fiduciário, há dispositivo que entendemos ser excludente (e conflitante) com um dispositivo do art. 23.


O art. 21 determina que o administrador, ao contratar o gestor – em nome do fundo (o artigo, além do título do capítulo, diz especificamente “em nome do fundo”) –, só poderá fazê-lo se este último for associado à ANBIMA ou aderente ao (Novo) Código, e, que ao contratar custodiante, escriturador e controlador, estes deverão ser associados ou aderentes ao Código de Serviços Qualificados.


No inciso III, o mesmo artigo define que “demais prestadores de serviço” que tiverem suas atividades autorreguladas pela ANBIMA e não forem associados ou aderentes aos Códigos da ANBIMA -devem ser obrigatoriamente classificados como de alto risco (para fins de supervisão baseada em risco), e, portanto, fiscalizados pela instituição a cada 12 (doze) meses.


Entendemos – com base no art. 21 – que, no caso do administrador fiduciário contratando em nome do fundo, só seria aplicável esta classificação obrigatória para a contratação de distribuidores (exceção feita a distribuidores dedicados aos segmentos listados no art. 3.º, § 5.º do Código de Distribuição) não associados ou aderentes à ANBIMA, e, não para outros prestadores de serviço, como corretoras (se contratadas pelo administrador), agências de rating, consultores, advogados, etc., já que estes não exercem atividade autorreguladas pela Associação. Logo, estes seriam classificados na metodologia de supervisão baseada em risco, na forma desejada pela entidade administradora.


Porém, tal dispositivo conflita com o art. 24, “Seção IV – Supervisão Baseada em Risco para os Terceiros Contratados”, onde se define que, independente da atividade, a Instituição Participante, ao contratar“terceiros não Associados ou Aderentes”sem especificar se para fazer ou não atividade autorregulada pela ANBIMA–, deva classificá-los necessariamente como de alto risco, fazendo referência direta ao inciso III do art. 21.


Não fica claro se a regra anterior, restrita ao administrador fiduciário, se sobrepõe ou não a esta, que parece ser geral e aplicável a todos os participantes.

Porém, prestadores de serviço como agências de rating, consultores específicos (de fundos imobiliários e FIDCs, por exemplo), advogados, etc. nem mesmo poderiam ser associados ou aderentes, pois não exercem atividades autorreguladas pela Associação.


Portanto, na contratação de terceiros que exercem atividades não autorreguladas pela ANBIMA, restaria dúvida sobre como compatibilizar os arts. 21, 23 e 24.

Caso prevaleça o entendimento de que – mesmo nas contratações EM NOME DO FUNDO - se deva classificar qualquer não associado ou aderente como de alto risco, a metodologia então nos pareceria um tanto simplista, e extremamente custosa para segmentos específicos de fundos.


Nesse sentido, se considerarmos, por exemplo, a contratação de uma agência de rating, a metodologia estará colocando em uma mesma categoria de risco agência conhecidas, como S&P, Fitch e Moody’s, e agências menores com baixa reputação.


No caso de avaliadores de ativos em fundos imobiliários, teremos empresas como JLL e Cushman & Wakefield, Colliers International, e CBRE classificadas e controladas praticamente da mesma forma que uma avaliação feita por uma “imobiliária de bairro” recém constituída.


O mesmo se daria com a empresa de auditoria, ou qualquer escritório de advocacia contratado pelo fundo, ou seja, todos obrigatoriamente classificados como de “alto risco” nos estritos termos do Novo Código, com revisão anual, independente de sua reputação de mercado e tradição, o que não nos parece espelhar de forma fidedigna a realidade do mercado, nem fornece um grau de certeza e segurança maiores em função de tal procedimento.


7.) Administração Fiduciária e Gestão de Recursos


O “Título III - Administração Fiduciária e Gestão de Recursos”, de forma sintética, segue duas linhas mestras sobre a atividade de Administração Fiduciária:

· foco principal na função de supervisão de regras, limites, risco, liquidez e dos prestadores de serviço, e, em segundo plano a definição da função elementar de constituição e administração corriqueira do fundo (assembleias, divulgação de informações, documentos etc.); e

· foco e regras específicas na questão de desenquadramento do fundo.


O Antigo Código já trazia dispositivos relativos a procedimentos sobre limites e desenquadramentos, porém, esta nova abordagem vai além, tratando tais temas de forma bastante objetiva, dando procedimentos específicos para situações que trazem efetivo risco aos cotistas, aparentemente bem arbitradas no Novo Código.


A respeito da Gestão de Recursos, o Novo Código também pormenoriza de forma mais evidente as obrigações de controle do gestor, com destaque para um novo dispositivo que fala inclusive da vedação de uso indevido de “instituto jurídico, estrutura de produto ou a aquisição de ativos financeiros” com o propósito econômico de direta ou indiretamente descumprir limites legais ou do regulamento. Ou seja, operações “exóticas”, com objetivo único de promover arbitragem regulatória.


A criação deste artigo, em nosso entendimento, claramente visa a combater situações de irregularidades e “abusos”, coibindo desvios com fundos de investimento verificados nos últimos anos, e que foram objeto de processos no âmbito tanto da ANBIMA quanto da CVM, além de temas de notícias na imprensa.


Os critérios relativos a rateio de ordens e gestão de risco são mais rigorosos do que os contidos no Antigo Código, destacando, da mesma forma como expusemos na questão de Compliance,uma necessidade maior de transparência das estruturas envolvidas, a hierarquia, autonomia, reporte, acesso à alta administração, etc.


Também há um foco mais evidente na necessidade de controle de risco não apenas a posteriori, mas também de forma quase preventiva, durante a execução das estratégias dos fundos.


8.) Conselho Consultivo e Comitê Técnico e de Investimento


Nesse Capítulo, o Novo Código foi numa direção sensivelmente liberalizante: o Antigo Código tratava da questão de forma restrita, permitindo que tais organismos atuassem como fóruns “pelos quais [apenas] o cotista pode encaminhar sugestões”,conforme se lê abaixo:

Art. 31 - Sem prejuízo das determinações contidas no artigo 28 deste Código, o regulamento pode prever a existência de Conselho Consultivo, Comitê Técnico ou Comitê de Investimentos, no formato definido na regulamentação vigente, pelos quais o cotista pode encaminhar sugestões relativas à aplicação da política de investimento ao gestor, desde que sem interferência na gestão do fundo de investimento.

Parágrafo único - As sugestões de tais organismos devem ser sempre formalizadas em ata e comunicadas ao administrador do fundo de investimento e, caso este não seja também responsável pela gestão da carteira do fundo, ao respectivo gestor.”


Não era por coincidência que o art. 31 iniciava dizendo “sem prejuízo das determinações contidas no artigo 28 deste Código”, já que ali se falava claramente que a negociações do fundo estavam a cargo do gestor.


Tal tema sempre foi sensível ao mercado, por vezes com experiências não muito positivas no passado, e, o art. 31 era claro em ceder espaço, e definir uma “fronteira” para tais “sugestões”, apenas se estas fossem feitas pelo COTISTA.


No entanto, agora tais Comitês e Conselhos não são mais necessariamente constituídos por cotistas, mas, “por iniciativa” destes. E o Novo Código deu liberdade para a definição dos formatos de tais organismos, falando, inclusive, no § 3.º do art. 51, que o gestor pode “acatar recomendações de investimento ou desinvestimento”. O capítulo segue, com regras específicas de nomeação de membros, qualificação técnica, e até mesmo a possibilidade de remuneração com parte da taxa de administração.


Nossa visão é o extremo grau de liberdade dado para comitês e conselhos torna mais difícil definir a fronteira entre a efetiva gestão e os limites de tais organismos.


Ele trará extensa aplicabilidade principalmente em fundos ligados a clientes do setor de Private Banking, assessorados por family offices ou consultores, que poderão estabelecer um fluxo bastante eficiente de comunicação.


No caso de fundos imobiliários, em projetos ligados a incorporação imobiliária, este dispositivo também poderá ser de grande valia.


9.) Conclusões Gerais


A mudança de matriz, passando do foco em “produtos” para “atividades”, e, simultaneamente unir em um só Novo Código, as atividades ligadas à gestão e administração, e, em outro, a distribuição fez bastante sentido, a nosso ver.


Porém, manteve-se a prática de incorporar conceitos e regras obrigatórias já adotadas pela CVM: como o objetivo da autorregulação em grande parte é “ir além” das normas oficiais (mas obviamente sem contrariá-las), acreditamos que tal sobreposição em verdade se revela um tanto desnecessária (e por vezes até custosa). O Novo Código, hoje, é um documento longo e bastante complexo, chegando a extensas 151 páginas (!): como já se disse em outras ocasiões sobre novas normas, o documento traz aspectos novos e bons – no entanto, o que é bom não é necessariamente novo, e o que é novo nem sempre é necessariamente bom.


Em momentos nos quais está em voga – por iniciativa da CVM - o debate sobre “custos de observância”, cremos que poderia ter sido melhor aproveitada a oportunidade de revisão estrutural e conceitual do Código, para apenas ir além da regulação.

Uma aparente repetição ou duplicação de conceitos em geral tende a causar dúvidas, já que na maior parte das vezes não se faz uma “cópia exata” dos enunciados da CVM, o que gera então a necessidade de uma análise comparativa de obrigações idênticas ou muito parecidas.


Também se manteve a prática de definir algumas regras específicas que, na dinâmica atual de mercado, carecem de razão de ser - como, por exemplo, citar que o contrato de prestação de serviço de contratação de um gestor deve tratar da “descrição de sua atividade”, e outros aspectos similares, e que “tutelam” questões bastante elementares (e que a maior parte já constam das regras da CVM). Acreditamos que o mercado já tenha avançado o suficiente nesse sentido, sem necessidade de reforços dessa natureza.


Independente destas questões, fica claro que o Novo Código demanda um grau superior de governança, e avança no rigor da necessidade de definição de processos claros, hierarquia de decisão, e guarda de evidências, o que é desejável no atual momento econômico do País, em que se percebe uma grande efervescência de produtos e modalidades decorrentes do cenário de juros decrescentes. Por essas e outras razões, cremos ser benéfico que a autorregulação continue cumprindo seu papel, sem dúvida de grande relevância para o desenvolvimento sadio e consistente do nosso mercado.


José Brazuna

Raphael Castro

jb@brinvestconsult.com ph@brinvestconsult.com

www.brinvestconsult.com (+5511) 97158-9878

(+5511) 98447-1018


[1]A antiga Instrução CVM nº 43, de 05 de março de 1985, e a ICVM 409 nada diziam a respeito – não havia proibição explícita a esse respeito.

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